sábado, 6 de agosto de 2011

Caracterização do regime de preços de transferência português

Introdução ao regime de preços de transferência

Ao contrário do que seria desejável para o desenvolvimento económico, a fiscalidade voltou a ser variável fulcral no processo de decisão empresarial.

Mais do que implicar uma decisão de investir ou não em determinado momento, a fiscalidade passou a ser encarada como uma variável que deve de ser devidamente planeada no quotidiano de uma actividade económica.

É neste contexto que os preços de transferência emergem como temática de profunda reflexão e à qual deve ser dada especial atenção.

O regime dos preços de transferência tem como paradigma o estabelecimento de uma paridade no tratamento fiscal entre as empresas integradas em grupos internacionais e empresas independentes.

Com o objectivo de assegurar o princípio de plena concorrência de mercado, este regime estabelece que entidades numa relação de dependência sejam obrigadas a respeitar determinadas regras no sentido de não praticarem entre si condições em operações de aquisição e/ou venda de produtos ou serviços que não seriam praticadas com entidades independentes.

A regulamentação dos preços de transferência, encontra-se estabelecida no Código do IRC (CIRC) e na Portaria 1446-C/2001, de 21 de Dezembro.

O princípio subjacente aos preços de transferência encontra-se estabelecido no n.º 1 do art. 63 do CIRC, dispõe que “nas operações comerciais, incluindo, designadamente, operações ou séries de operações sobre bens, direitos ou serviços, bem como nas operações financeiras, efectuadas entre um sujeito passivo e qualquer outra entidade, sujeita ou não a IRC, com a qual esteja em situação de relações especiais, devem ser contratados, aceites e praticados termos ou condições substancialmente idênticos aos que normalmente seriam contratados, aceites e praticados entre entidades independentes em operações comparáveis”.

Definição do conceito de relações especiais

A definição de “situação de relações especiais” é um conceito chave que se encontra definido no n.º 4 do artigo supra. Este define que “existem relações especiais entre duas entidades nas situações em que uma tem o poder de exercer, directa ou indirectamente, uma influência significativa nas decisões de gestão da outra”.

A tipificação das situações em que se entende existir relações especiais é feita nas diversas alíneas do n.º 4 do art. 63 do CIRC, que se passam a resumir:

a) Uma entidade e os titulares do respectivo capital, bem como entidades em que os mesmos titulares do capital, ou familiares, detenham directa ou indirectamente, uma participação não inferior a 10 % do capital ou dos direitos de voto;

b) Uma entidade e os membros dos seus órgãos e respectivos familiares;

c) Entidades ligadas por contrato de subordinação, de grupo paritário ou outro de efeito equivalente;

d) Empresas que se encontrem em relação de domínio;

e) Entidades entre as quais, por força das relações comerciais, financeiras, profissionais ou jurídicas entre elas, directa ou indirectamente estabelecidas ou praticadas, se verifica situação de dependência no exercício da respectiva actividade;

f) Uma entidade em território português e uma entidade sujeita a um regime fiscal claramente mais favorável.

Definição da metodologia de preços de transferência

No sentido de se definir qual a melhor metodologia para se validar a observância do principio de plena concorrência deve-se ter em consideração o disposto n.º 3 do art. 63 do CIRC, bem como as orientações publicadas pela OCDE em matéria de preços de transferência.

De acordo com o n.º 3 do art. 63, são determinados como métodos para se analisar a observância do princípio de plena concorrência os seguintes:

Método do preço comparável de mercado: Permite comparar os termos e condições estabelecidas numa operação vinculada com os termos e condições acordados numa operação semelhante realizada entre entidades independentes.

Método do preço de revenda minorado: Permite avaliar a rendibilidade de uma operação, tomando como base os custos incorridos pelo fornecedor de bens e/ou serviços numa operação vinculada. Aos custos apurados é adicionada uma margem de lucro adequada e que uma entidade independente estaria disposta a aceitar. Na definição dessa margem de lucro tem de se ter em conta as funções exercidas, os riscos assumidos e os activos utilizados.

Método do custo majorado: Permite comparar o preço pelo qual um produto adquirido a uma parte relacionada com o preço a que o produto foi revendido a uma entidade independente. Ao preço de revenda é de deduzida uma margem de lucro bruta suficiente para compensar os custos operacionais e permitir à empresa obter uma remuneração adequada e que uma entidade independente estivesse disposta a realizar. O resultado obtido pode ser considerado como de plena concorrência.

Estas três metodologias são conhecidos como os métodos tradicionais. O legislador consagrou a utilização preferencial destes métodos uma vez que entendeu que seriam os mais adequados e ajustados sempre que se verifica uma igualdade nas condições estabelecidas em operações vinculadas.

No entanto, permite aquele normativo a aplicação de métodos alternativos para a confirmação da observância do princípio de plena concorrência. Assim, sempre que os métodos tradicionais não possam ser aplicados ou pela sua aplicação não possa ser obtida uma medida fiável dos termos e condições que entidades independentes normalmente acordariam, aceitariam ou praticariam, é possível a aplicação de uma das seguintes metodologias:

Método do fraccionamento do lucro: Permite repartir o lucro obtido numa ou várias operações vinculadas entre entidades relacionadas. A repartição deverá ser realizada com base num racional económico que uma entidade independente estaria disposta a aceitar em iguais circunstancias.

Método da margem líquida: Permite verificar a margem de lucro líquida de uma operação, ou de um conjunto indivisível de operações, em relação a uma base apropriada que se realiza numa com entidades relacionadas face a entidades independentes.

Outro: não obstante ao supra mencionado, deverá a opção da metodologia a adoptar recair sobre o método que confira o melhor nível de comparabilidade entre a transacção vinculada realizada e operações realizadas entre entidades independentes.

De notar que a legislação portuguesa em matéria de preços de transferência encontra-se alinhada com os princípios directores da OCDE sobre esta temática dirigidos às empresas multinacionais e às administrações fiscais. A documentação emitida por esta entidade assenta num conjunto de boas práticas seguidas por países com maior experiência nesta área.

Sempre que necessário e nos casos de maior complexidade técnica, é aconselhável a consulta dos relatórios da OCDE que desenvolvem esta matéria, e cuja adopção pelos países membros é objecto de recomendações aprovadas pelo Conselho desta organização internacional.

Requisitos e obrigações

Define o art. 63º do CIRC que os sujeitos passivos devem adoptar nas operações vinculadas termos e condições que seriam normalmente aceites ou praticadas entre entidades independentes.

Esta é uma obrigação que assiste a todos os sujeitos passivos com relações especiais independentemente da sua dimensão.

Estatui o n.º 6 do art. 63 que “o sujeito passivo deve manter organizada, (…), a documentação respeitante à política adoptada em matéria de preços de transferência, incluindo as directrizes ou instruções relativas à sua aplicação, os contratos e outros actos jurídicos celebrados com entidades que com ele estão em situação de relações especiais, com as modificações que ocorram e com informação sobre o respectivo cumprimento, a documentação e informação relativa àquelas entidades e bem assim às empresas e aos bens ou serviços usados como termo de comparação, as análises funcionais e financeiras e os dados sectoriais, e demais informação e elementos que tomou em consideração para a determinação dos termos e condições normalmente acordados, aceites ou praticados entre entidades independentes e para a selecção do método ou métodos utilizados.”.

Resulta do acima exposto que esta documentação deverá estar preparada em data anterior à realização das operações vinculadas.

No que respeita à preparação formal de um dossier de preços de transferência, de acordo com a Portaria 1446-C/2001, de 21 de Dezembro, os sujeitos passivos com vendas líquidas e outros proveitos operacionais com valor igual ou superior a 3 milhões de euros, com referência ao exercício anterior (n-1), deverão preparar no exercício (n) documentação de preços de transferência.

Com referência ao exercício fiscal de 2010, as entidades que constam do Cadastro Especial de Contribuintes e as entidades tributadas de acordo com o Regime Especial de Tributação dos Grupos de Sociedades, passam a ter de incluir e proceder à entrega da documentação de preços de transferência à Administração Fiscal.

A documentação deverá ser preparada até à data de submissão da declaração anual (IES/DA). A informação a reunir, perante os factos e circunstâncias concretas que caracterizam a sua actividade e num quadro de boas práticas comerciais e financeiras, deverá ser suficiente para determinar e comprovar a conduta adoptada na fixação dos preços de transferência, sem que, no entanto, seja obrigado a incorrer em custos de observância desproporcionados.
A documentação de preços de transferência deverá ser mantida durante um período de 10 anos.

Acordos prévios sobre os preços de transferência

Desde 2008, na sequência da publicação da Portaria 620-A/2008, passou a ser possível solicitar à Administração Fiscal a celebração de acordos prévios sobre preços de transferência.

Estes instrumentos destinam-se por um lado a simplificar a acção fiscalizadora das entidades tributárias nacionais, mas também a criar um maior sentido de segurança junto dos contribuintes.

Nestes acordos, ambas as partes (contribuintes e Administração Fiscal) estabelecem os termos e as condições a praticar em operações vinculadas. 

Coimas e sanções

Embora em Portugal não estão previstas penalidades específicas pelo incumprimento da obrigação sobre a constituição do Dossier de Preços de Transferência. De notar que, o Regime Geral das Infracções Tributárias (RGIT), prevê que a coima associada à recusa de entrega de documentação fiscal ascenda aos 100.000 euros.