domingo, 7 de agosto de 2011

Processo de documentação e informação relevante

Processo de documentação e informação relevante
O sujeito passivo deve dispor de informação e documentação respeitantes à política de preços de transferência adoptada na determinação dos termos e condições acordadas em operações entre entidades relacionadas.

Neste sentido deve manter de forma organizada elementos aptos a provar:

a) A paridade de mercado nos termos e condições acordados, aceites e praticados nas operações efectuadas com entidades relacionadas;

b) A selecção e utilização do método ou métodos mais apropriados para a determinação dos preços de transferência que proporcionem a maior fiabilidade e mais rigorosa comparação dos termos e condições praticados por entidades independentes;

De notar que só os contribuintes com um valor anual de vendas líquidas e outros proveitos igual ou superior a 3 milhões de euros são obrigados a preparar o processo de documentação em causa.

Não se deverá confundir esta obrigação com o dever de documentação prévia dos termos e condições a praticar nas operações entre entidades relacionadas previsto no art. 63º do CIRC que abrange todos os sujeitos passivos.

Deve o sujeito passivo obter ou produzir e manter elementos informativos sobre a sua politica de preços de transferência, designadamente quanto aos seguintes aspectos:

a) Descrição e caracterização da situação de relações especiais;

b) Caracterização da actividade exercida pelo sujeito passivo e pelas entidades relacionadas com as quais realiza operações e indicação discriminada, por natureza das operações e contraparte dos valores das operações vinculadas;

c) Identificação detalhada dos bens, direitos ou serviços que são objecto das operações vinculadas, e dos termos e condições estabelecidos;

d) Descrição das funções exercidas, activos utilizados e riscos assumidos, quer pelo sujeito passivo, quer pelas entidades relacionadas envolvidas nas operações vinculadas;

e) Estudos técnicos com incidência em áreas essenciais do negócio;

f) Directrizes relativas à aplicação da política adoptada em matéria de preços de transferência;

g) Contratos e outros actos jurídicos praticados tanto com entidades relacionadas como com entidades independentes, evidenciando os elementos seguintes:

1) Definição do âmbito de intervenção das partes envolvidas;

2) Condições de entrega dos produtos e actividades acessórias envolvidas;

3) Preço, respectiva forma de cálculo e a indicação dos pressupostos e das circunstâncias em que ficam sujeitos a revisão, bem como a discriminação das respectivas regras e a explicação detalhada dos ajustamentos plurianuais;

4) Duração acordada ou prevista e modalidades de extinção admitidas;

5) Penalidades e o respectivo procedimento de cálculo para a mora no cumprimento ou o incumprimento;

h) Explicação sobre a aplicação do método ou métodos adoptados para a determinação do preço de plena concorrência em relação a cada operação e indicação das razões justificativas da selecção do método considerado mais apropriado;

i) Informação sobre os dados comparáveis utilizados, evidenciando, a justificação da selecção, a ficha técnica dos estudos e uma análise de sensibilidade e segurança estatística ou, sendo interna a fonte dos dados, a respectiva ficha técnica;

j) Detalhes sobre as análises efectuadas para avaliar o grau de comparabilidade entre operações vinculadas e operações não vinculadas, e sobre os eventuais ajustamentos efectuados para eliminar as diferenças existentes;

l) Estratégias e políticas do negócio;

m) Quaisquer outras informações, dados ou documentos relevantes para a determinação do preço de plena concorrência, da comparabilidade das operações ou dos ajustamentos realizados.

Comparáveis e factores de comparabilidade

Comparáveis e factores de comparabilidade
Entre os comparáveis seleccionados para se avaliar o respeito pelo principio de plena concorrência devem ser os com melhor qualidade e maior quantidade de informação disponível para a sua adequada justificação e aplicação.

A análise sobre os comparáveis seleccionados deve ainda recair sobre aqueles que impliquem o menor número de ajustamentos para efeitos de eliminar as diferenças existentes nas realidades em análise.

Duas operações reúnem as condições para serem consideradas comparáveis se são substancialmente idênticas. Ou seja, se as características económicas e financeiras relevantes são similares, de modo a que as diferenças existentes não sejam susceptíveis de afectar de forma significativa os termos e condições que se praticariam numa situação de plena concorrência. Existindo características que enviesem de forma significativa a análise deve ser possível efectuar os necessários ajustamentos que eliminem os efeitos relevantes provocados pelas diferenças verificadas.

Se, pela aplicação de um método ou mais métodos resultar num intervalo de valores que assegurem um grau de comparabilidade razoável, não se torna necessário proceder a qualquer correcção nos termos ou condições praticados (nomeadamente através da modelo 22), se estas se situarem dentro desse intervalo.

Para efeitos de aferição do grau de comparabilidade entre uma operação vinculada e uma operação não vinculada deve-se ter em consideração, e entre outros, os seguintes factores:

a) As características específicas dos bens, direitos ou serviços, nomeadamente as características físicas, a qualidade, a quantidade, a fiabilidade, a disponibilidade e o volume de oferta dos bens, a forma negocial, o tipo, a duração, o grau de protecção e os benefícios antecipados pela utilização do direito e a natureza e a extensão dos serviços;

b) As funções desempenhadas pelas entidades intervenientes nas operações, tendo em consideração os activos utilizados e os riscos assumidos;

c) Os termos e condições contratuais que repartem as responsabilidades, os riscos e os lucros entre as partes envolvidas na operação;

d) As circunstâncias económicas prevalecentes nos mercados em que as respectivas partes operam;

e) A estratégia das empresas envolvidas nas operações vinculadas;

f) Outras características relevantes.

Princípios para a determinação do método mais apropriado

Princípios para a determinação do método mais apropriado
Para determinação dos termos e condições que seriam normalmente acordados, aceites ou praticados entre entidades independentes, deverá ser adoptado o método mais apropriado a cada operação ou série de operações, face aos factos e às circunstâncias específicas de cada operação que permita validar o princípio de plena concorrência.

O método mais apropriado para cada operação ou série de operações é o que forneça a melhor e mais fiável estimativa dos termos e condições que seriam normalmente acordos, aceites ou praticados com uma entidade independente.

A opção deve recair no método que possibilite o mais elevado grau de comparabilidade entre as operações vinculadas e não vinculadas.

Em caso de dúvida sobre a fiabilidade dos valores obtidos através da metodologia adoptada, deve tentar-se confirmar tais valores através da aplicação de outros métodos, de forma isolada ou combinada.

Ajustamentos ao lucro tributável

Ajustamentos ao lucro tributável
Prevê a Portaria 1446-C/2001 que sempre que os termos e condições de uma operação vinculada “difiram dos que seriam normalmente acordados, aceites ou praticados entre entidades independentes” seja efectuada uma correcção na declaração periódica de rendimentos (Modelo 22) correspondente à diferença apurada no sentido de se observar o princípio de plena concorrência.

Embora esta correcção não possua um impacto económico directo no resultado contabilistico apurado por uma entidade, já em termos fiscais permite que seja apurado um lucro tributável idêntico ao que se apuraria na ausência de relações especiais.

Na presença de tais desvios, e caso a devida correcção não seja realizada na Modelo 22, “a Direcção-Geral dos Impostos pode efectuar as correcções ao lucro tributável que sejam necessárias para que o respectivo montante corresponda ao que teria sido obtido se a operação se tivesse processado numa situação normal de mercado”.

Eventuais correcções a efectuar devem ser suportados através de um estudo de preços de transferência. Tal estudo visa justificar a razoabilidade da correcção a efectuar ao lucro contabilístico.

De salientar que quando a Direcção-Geral dos Impostos proceda a correcções necessárias para a determinação do lucro tributável numa situação de plena concorrência, na determinação do lucro tributável deste último "deve ser efectuado o ajustamento adequado que seja reflexo das correcções feitas na determinação do lucro tributável do primeiro".

Análise das operações vinculadas

Análise das operações vinculadas
A aplicação do princípio de plena concorrência deve ser verificado numa base individualizada, excepto nas situações, em que a análise pode ser efectuada numa base agregada ou por séries de operações, desde que se trate de operações tão intimamente interligadas ou continuadas que a sua desagregação conduziria à perda de funcionalidade ou valor, ou quando se revele impraticável a determinação do preço para cada operação, quer pelos elevados custos associados quer pela inexistência ou insuficiência de informação sobre operações comparáveis:

a) Fornecimento continuado de bens ou serviços;
b) Cedência do direito de exploração de elementos incorpóreos acompanhada de outras prestações;
c) Fixação dos preços de bens que apresentem complementaridade funcional ou identidade tipológica, como sejam os inseridos numa linha de produtos.

Aqui o termo “operações” abrange as transacções financeiras, as operações comerciais, as operações que tenham por objecto bens corpóreos ou incorpóreos, direitos ou serviços ou de uma alteração de estruturas de negócio, em especial quando esta envolva transferência de elementos incorpóreos ou compensação de danos emergentes ou lucros cessantes.

sábado, 6 de agosto de 2011

Caracterização do regime de preços de transferência português

Introdução ao regime de preços de transferência

Ao contrário do que seria desejável para o desenvolvimento económico, a fiscalidade voltou a ser variável fulcral no processo de decisão empresarial.

Mais do que implicar uma decisão de investir ou não em determinado momento, a fiscalidade passou a ser encarada como uma variável que deve de ser devidamente planeada no quotidiano de uma actividade económica.

É neste contexto que os preços de transferência emergem como temática de profunda reflexão e à qual deve ser dada especial atenção.

O regime dos preços de transferência tem como paradigma o estabelecimento de uma paridade no tratamento fiscal entre as empresas integradas em grupos internacionais e empresas independentes.

Com o objectivo de assegurar o princípio de plena concorrência de mercado, este regime estabelece que entidades numa relação de dependência sejam obrigadas a respeitar determinadas regras no sentido de não praticarem entre si condições em operações de aquisição e/ou venda de produtos ou serviços que não seriam praticadas com entidades independentes.

A regulamentação dos preços de transferência, encontra-se estabelecida no Código do IRC (CIRC) e na Portaria 1446-C/2001, de 21 de Dezembro.

O princípio subjacente aos preços de transferência encontra-se estabelecido no n.º 1 do art. 63 do CIRC, dispõe que “nas operações comerciais, incluindo, designadamente, operações ou séries de operações sobre bens, direitos ou serviços, bem como nas operações financeiras, efectuadas entre um sujeito passivo e qualquer outra entidade, sujeita ou não a IRC, com a qual esteja em situação de relações especiais, devem ser contratados, aceites e praticados termos ou condições substancialmente idênticos aos que normalmente seriam contratados, aceites e praticados entre entidades independentes em operações comparáveis”.

Definição do conceito de relações especiais

A definição de “situação de relações especiais” é um conceito chave que se encontra definido no n.º 4 do artigo supra. Este define que “existem relações especiais entre duas entidades nas situações em que uma tem o poder de exercer, directa ou indirectamente, uma influência significativa nas decisões de gestão da outra”.

A tipificação das situações em que se entende existir relações especiais é feita nas diversas alíneas do n.º 4 do art. 63 do CIRC, que se passam a resumir:

a) Uma entidade e os titulares do respectivo capital, bem como entidades em que os mesmos titulares do capital, ou familiares, detenham directa ou indirectamente, uma participação não inferior a 10 % do capital ou dos direitos de voto;

b) Uma entidade e os membros dos seus órgãos e respectivos familiares;

c) Entidades ligadas por contrato de subordinação, de grupo paritário ou outro de efeito equivalente;

d) Empresas que se encontrem em relação de domínio;

e) Entidades entre as quais, por força das relações comerciais, financeiras, profissionais ou jurídicas entre elas, directa ou indirectamente estabelecidas ou praticadas, se verifica situação de dependência no exercício da respectiva actividade;

f) Uma entidade em território português e uma entidade sujeita a um regime fiscal claramente mais favorável.

Definição da metodologia de preços de transferência

No sentido de se definir qual a melhor metodologia para se validar a observância do principio de plena concorrência deve-se ter em consideração o disposto n.º 3 do art. 63 do CIRC, bem como as orientações publicadas pela OCDE em matéria de preços de transferência.

De acordo com o n.º 3 do art. 63, são determinados como métodos para se analisar a observância do princípio de plena concorrência os seguintes:

Método do preço comparável de mercado: Permite comparar os termos e condições estabelecidas numa operação vinculada com os termos e condições acordados numa operação semelhante realizada entre entidades independentes.

Método do preço de revenda minorado: Permite avaliar a rendibilidade de uma operação, tomando como base os custos incorridos pelo fornecedor de bens e/ou serviços numa operação vinculada. Aos custos apurados é adicionada uma margem de lucro adequada e que uma entidade independente estaria disposta a aceitar. Na definição dessa margem de lucro tem de se ter em conta as funções exercidas, os riscos assumidos e os activos utilizados.

Método do custo majorado: Permite comparar o preço pelo qual um produto adquirido a uma parte relacionada com o preço a que o produto foi revendido a uma entidade independente. Ao preço de revenda é de deduzida uma margem de lucro bruta suficiente para compensar os custos operacionais e permitir à empresa obter uma remuneração adequada e que uma entidade independente estivesse disposta a realizar. O resultado obtido pode ser considerado como de plena concorrência.

Estas três metodologias são conhecidos como os métodos tradicionais. O legislador consagrou a utilização preferencial destes métodos uma vez que entendeu que seriam os mais adequados e ajustados sempre que se verifica uma igualdade nas condições estabelecidas em operações vinculadas.

No entanto, permite aquele normativo a aplicação de métodos alternativos para a confirmação da observância do princípio de plena concorrência. Assim, sempre que os métodos tradicionais não possam ser aplicados ou pela sua aplicação não possa ser obtida uma medida fiável dos termos e condições que entidades independentes normalmente acordariam, aceitariam ou praticariam, é possível a aplicação de uma das seguintes metodologias:

Método do fraccionamento do lucro: Permite repartir o lucro obtido numa ou várias operações vinculadas entre entidades relacionadas. A repartição deverá ser realizada com base num racional económico que uma entidade independente estaria disposta a aceitar em iguais circunstancias.

Método da margem líquida: Permite verificar a margem de lucro líquida de uma operação, ou de um conjunto indivisível de operações, em relação a uma base apropriada que se realiza numa com entidades relacionadas face a entidades independentes.

Outro: não obstante ao supra mencionado, deverá a opção da metodologia a adoptar recair sobre o método que confira o melhor nível de comparabilidade entre a transacção vinculada realizada e operações realizadas entre entidades independentes.

De notar que a legislação portuguesa em matéria de preços de transferência encontra-se alinhada com os princípios directores da OCDE sobre esta temática dirigidos às empresas multinacionais e às administrações fiscais. A documentação emitida por esta entidade assenta num conjunto de boas práticas seguidas por países com maior experiência nesta área.

Sempre que necessário e nos casos de maior complexidade técnica, é aconselhável a consulta dos relatórios da OCDE que desenvolvem esta matéria, e cuja adopção pelos países membros é objecto de recomendações aprovadas pelo Conselho desta organização internacional.

Requisitos e obrigações

Define o art. 63º do CIRC que os sujeitos passivos devem adoptar nas operações vinculadas termos e condições que seriam normalmente aceites ou praticadas entre entidades independentes.

Esta é uma obrigação que assiste a todos os sujeitos passivos com relações especiais independentemente da sua dimensão.

Estatui o n.º 6 do art. 63 que “o sujeito passivo deve manter organizada, (…), a documentação respeitante à política adoptada em matéria de preços de transferência, incluindo as directrizes ou instruções relativas à sua aplicação, os contratos e outros actos jurídicos celebrados com entidades que com ele estão em situação de relações especiais, com as modificações que ocorram e com informação sobre o respectivo cumprimento, a documentação e informação relativa àquelas entidades e bem assim às empresas e aos bens ou serviços usados como termo de comparação, as análises funcionais e financeiras e os dados sectoriais, e demais informação e elementos que tomou em consideração para a determinação dos termos e condições normalmente acordados, aceites ou praticados entre entidades independentes e para a selecção do método ou métodos utilizados.”.

Resulta do acima exposto que esta documentação deverá estar preparada em data anterior à realização das operações vinculadas.

No que respeita à preparação formal de um dossier de preços de transferência, de acordo com a Portaria 1446-C/2001, de 21 de Dezembro, os sujeitos passivos com vendas líquidas e outros proveitos operacionais com valor igual ou superior a 3 milhões de euros, com referência ao exercício anterior (n-1), deverão preparar no exercício (n) documentação de preços de transferência.

Com referência ao exercício fiscal de 2010, as entidades que constam do Cadastro Especial de Contribuintes e as entidades tributadas de acordo com o Regime Especial de Tributação dos Grupos de Sociedades, passam a ter de incluir e proceder à entrega da documentação de preços de transferência à Administração Fiscal.

A documentação deverá ser preparada até à data de submissão da declaração anual (IES/DA). A informação a reunir, perante os factos e circunstâncias concretas que caracterizam a sua actividade e num quadro de boas práticas comerciais e financeiras, deverá ser suficiente para determinar e comprovar a conduta adoptada na fixação dos preços de transferência, sem que, no entanto, seja obrigado a incorrer em custos de observância desproporcionados.
A documentação de preços de transferência deverá ser mantida durante um período de 10 anos.

Acordos prévios sobre os preços de transferência

Desde 2008, na sequência da publicação da Portaria 620-A/2008, passou a ser possível solicitar à Administração Fiscal a celebração de acordos prévios sobre preços de transferência.

Estes instrumentos destinam-se por um lado a simplificar a acção fiscalizadora das entidades tributárias nacionais, mas também a criar um maior sentido de segurança junto dos contribuintes.

Nestes acordos, ambas as partes (contribuintes e Administração Fiscal) estabelecem os termos e as condições a praticar em operações vinculadas. 

Coimas e sanções

Embora em Portugal não estão previstas penalidades específicas pelo incumprimento da obrigação sobre a constituição do Dossier de Preços de Transferência. De notar que, o Regime Geral das Infracções Tributárias (RGIT), prevê que a coima associada à recusa de entrega de documentação fiscal ascenda aos 100.000 euros.